8 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 2 M I A M I , F L Ó R I D A O Centro de Avaliação e Tratamento do Sul da Flórida
é um edifício de concreto branco de sete andares,
decorado com sempre-vivas e localizado num esquálido bairro latino a oeste da cidade de Miami. Como a maio-ria dos prédios comerciais da área, possui rolos de arame farpado ao redor do teto. Diferentemente dos outros es-tabelecimentos, o arame farpado não está lá para impedir a entrada de ninguém, e sim a saída dos internos.
Dominique Vazquez, de 31 anos, costura em meio
ao trânsito da hora do rush, xingando alto enquanto ace-lera pela Route 441. É o seu primeiro dia de residência e já está atrasada. Desviando de um adolescente vindo na contramão de skate motorizado, entra no estacionamen-to para visitantes e para o carro. Enquanto corre para a entrada, prende apressadamente seus longos cabelos ne-gros num coque.
Portas magnéticas se abrem, dando-lhe acesso a um
Uma mulher latina de 40 e tantos anos está atrás do balcão da recepção,
lendo o noticiário matutino num computador do tamanho de uma prancheta, fino como uma folha de papelão. Sem levantar os olhos, ela pergunta:
— Posso ajudar?— Sim. Tenho hora marcada com Margaret Reinike. — Não tem, não. A dra. Reinike não trabalha mais aqui. — A mulher
aperta a tecla page down, visualizando outra notícia no monitor.
— Mas isso não faz sentido. Falei com a dra. Reinike há duas semanas. A recepcionista finalmente olha para cima. — Qual o seu nome?— Vazquez, Dominique Vazquez. Vim fazer um ano de residência como
pós-graduanda da Universidade Estadual da Flórida. A dra. Reinike seria mi-nha supervisora. — Ela observa a mulher pegar o telefone e teclar um ramal.
— Dr. Foletta, uma jovem chamada Domino Vass. — Vazquez. Dominique Vazquez. — Perdão. Dominique Vazquez. Não, senhor, ela está aqui no saguão.
Diz que vai fazer residência e que a dra. Reinike seria sua supervisora. Sim, senhor. — Após desligar o telefone, ela se volta para Dominique. — Pode sentar ali. Daqui a alguns minutos o dr. Foletta vai descer para falar com você. — A mulher gira a cadeira, dando as costas para Dominique, e volta a ler no monitor.
Dez minutos se passam antes que um homem corpulento, de uns 50
Anthony Foletta destoaria menos num campo de futebol americano, trei-
nando quartos-zagueiros, do que andando pelos corredores de uma instituição estatal para psicopatas criminosos. Uma juba de cabelo grisalho cobre uma ca-beça enorme, que parece grudada diretamente nos ombros. Acima de bochechas carnudas, seus olhos azuis piscam sob pálpebras sonolentas. Embora esteja aci-ma do peso, seu tronco é firme, a barriga saltando um pouco do jaleco aberto.
Abre um sorriso forçado e uma mão grossa é estendida. — Anthony Foletta, novo chefe de psiquiatria. — A voz é profunda e
áspera, como um velho cortador de grama.
— O que aconteceu com a dra. Reinike?— Problemas pessoais. Dizem que o marido dela tem câncer em fase
terminal. Acho que ela decidiu se aposentar mais cedo. Mas ela me falou sobre você. Se não tiver nenhuma objeção, vou supervisionar a sua residência.
— Nenhuma objeção. — Ótimo.
Ele se vira e volta pelo corredor, e Dominique aperta o passo para
— Dr. Foletta, há quanto tempo o senhor está na instituição?— Dez dias. Fui transferido para cá da unidade estatal em Massachusetts. Eles se aproximam de um vigia no primeiro posto de verificação. — Deixe a sua carteira de motorista com o vigia. Dominique procura em sua bolsa e entrega ao homem o cartão plastifi-
cado, recebendo em troca o crachá de visitante.
— Use isto por enquanto — diz Foletta. — Não se esqueça de devolvê-lo
no fim do dia. Vamos providenciar um crachá codificado de residente antes do fim da semana.
Ela prende o crachá na blusa e o segue até o elevador. Foletta ergue três dedos para uma câmera montada acima de sua cabeça.
— Você já esteve aqui? Conhece a planta do prédio?— Não. Só falei com a dra. Reinike por telefone. — São sete andares. A administração e a central de segurança ficam no
primeiro. A central controla os elevadores dos funcionários e dos internos. O segundo andar tem uma pequena unidade médica para idosos e doentes termi-nais. No terceiro andar você encontra nosso refeitório e as salas de convivência. Ele também dá acesso ao mezanino, ao jardim e às salas de terapia. O quarto, quinto, sexto e sétimo andares hospedam os internos. — Foletta ri. — O dr. Blackwell os chama de “clientes”. Eufemismo interessante, considerando que todos vieram para cá algemados.
Eles saem do elevador, passando por um posto de segurança idêntico
ao do primeiro andar. Foletta acena e entra no curto corredor para a sua sala. Caixas de papelão estão empilhadas por toda parte, cheias de pastas, diplomas emoldurados e artigos pessoais.
— Desculpe a bagunça, ainda estou me ajeitando. — Foletta tira uma
impressora de cima de uma cadeira, indicando que Dominique se sente, e se aperta desconfortavelmente atrás da escrivaninha, encostando-se na cadeira de couro para dar espaço à sua barriga.
Ele abre o arquivo pessoal dela. — Hum. Vejo que está completando seu doutorado na Universidade
Estadual da Flórida. Vai a muitos jogos de futebol?
— Na verdade, não. — Aproveite a brecha. — O senhor parece já ter
É uma boa aposta e faz o rosto rechonchudo de Foletta brilhar.
— Fighting Blue Hens of Delaware, turma de 1979. Zagueiro avançado.
Teria começado nas divisões de base da Liga Nacional se não tivesse estourado o joelho contra o Lehigh.
— Por que o senhor optou pela psiquiatria criminal?— Meu irmão mais velho sofria de uma obsessão patológica. Vivia en-
crencado com a lei. O psiquiatra dele era formado em Delaware e era fanático por futebol. Eu o levava para o vestiário depois dos jogos. Quando machuquei o joelho, ele mexeu os pauzinhos e eu fui admitido como aluno de graduação. — Foletta inclina-se para a frente, colocando a pasta sobre a mesa. — Vamos falar de você. Estou curioso. Há várias outras instituições mais próximas da universidade. O que trouxe você até aqui?
Dominique pigarreia. — Meus pais moram em Sanibel. Fica a apenas duas horas de Miami.
Não consigo visitá-los com muita frequência.
Foletta corre seu indicador roliço pelas fichas do arquivo. — Diz aqui que você nasceu na Guatemala. — Sim. — Como veio parar na Flórida?— Meus pais. meus pais biológicos morreram quando eu tinha 6 anos.
— Mas isso não durou muito?— Isso é importante?Foletta ergue os olhos, que não estão mais sonolentos. — Não gosto muito de surpresas, residente Vazquez. Antes de designar
internos, gosto de conhecer a psique dos meus funcionários. A maioria dos in-ternos não nos dá muitos problemas, mas é importante lembrar que lidamos com alguns indivíduos violentos. Pra mim, a segurança é uma prioridade. O que aconteceu em Tampa? Como foi que você veio parar num lar adotivo?
— Basta dizer que as coisas não correram bem com meu primo. — Ele estuprou você?Dominique fica chocada com a pergunta direta. — Se você realmente quer saber, sim. Eu só tinha 10 anos na época. — Você ficou sob os cuidados de um psiquiatra?Ela olha para Foletta. Mantenha a calma, ele está te testando. — Sim, até os 17 anos. — Tocar no assunto te incomoda?— Aconteceu. Acabou. Com certeza influenciou a escolha da minha car-
— E os seus interesses também. Diz aqui que você tem faixa preta de
segundo grau em tae kwon do. Já teve que usá-la?
— Só em torneios. As pálpebras se erguem muito, os olhos azuis provocando-a com sua
— Diga, residente Vazquez, você imagina o rosto do seu primo quando
— Às vezes. — Ela tira um cacho de cabelos dos olhos. — Em quem você
fingia que estava batendo quando jogava futebol pelo Fighting Blue Hens?
— Touché. — Os olhos voltam para a pasta. — Você namora muito?— Minha vida social também interessa?Foletta se recosta na cadeira. — Experiências sexuais traumáticas muitas vezes levam a desequilíbrios
sexuais. Repito, só quero saber com quem estou trabalhando.
— Não tenho aversão ao sexo, se é o que está perguntando. Tenho, sim,
uma desconfiança saudável de homens enxeridos.
— Isso não é um retiro espiritual, residente Vazquez. Vai precisar criar
uma casca mais grossa pra lidar com internos criminosos. Esses homens fize-ram suas reputações deitando e rolando com universitárias bonitas como você. Vindo da Universidade Estadual, achei que iria agradecer o alerta.
Dominique respira fundo, relaxando seus músculos tensos. Cacete, dê um jeito no seu ego e preste atenção.
— Tem razão, doutor. Peço desculpas. Foletta fecha a pasta. — A verdade é que estou pensando em indicar você para um trabalho
especial, mas preciso ter certeza de que estará à altura.
Dominique volta a se animar. — Pode me colocar à prova. Foletta retira um grosso envelope marrom da primeira gaveta da
— Como sabe, esta instituição acredita numa abordagem multidis-
ciplinar. Para cada interno são destacados um psiquiatra, um psicólogo clínico, um assistente social, um enfermeiro psiquiátrico e um terapeuta ocupacional. Minha reação inicial, ao chegar aqui, foi achar tudo isso um pouco excessivo, mas não posso contestar os resultados, especialmente para pacientes viciados em drogas e na preparação de indivíduos para julgamen-tos futuros.
— Não. O interno que quero pôr sob seus cuidados é paciente meu, veio
do sanatório onde eu era diretor de serviços psicológicos.
— Não entendo. Ele veio para cá com você?— Nossa instituição perdeu o financiamento há cerca de seis meses. Ele
certamente não está pronto para voltar à sociedade e precisava ser transferido para algum lugar. Como sou a pessoa mais familiarizada com o histórico dele, achei que seria menos traumático para todos os envolvidos se ele continuasse sob os meus cuidados.
— Quem é ele?— Já ouviu falar do professor Julius Gabriel?— Gabriel? — O nome parecia familiar. — Espere aí, não é o arqueólogo
que caiu morto no meio de uma palestra em Harvard há alguns anos?
— Há mais de dez anos. — Foletta sorri. — Depois de três décadas
recebendo financiamento para suas pesquisas, o Julius Gabriel voltou para os Estados Unidos e se apresentou perante uma plateia repleta de colegas, alegan-do que os egípcios antigos e os maias construíram as pirâmides com a ajuda de extraterrestres para salvar a humanidade da destruição. Consegue imaginar? Ele foi expulso do púlpito a gargalhadas. Deve ter morrido de humilhação. — As bochechas de Foletta tremem com sua risada. — O Julius Gabriel era um caso clássico de paranoia esquizofrênica.
— E quem é o paciente?— O filho dele. — Foletta abre o envelope. — Michael Gabriel, 34 anos.
Prefere ser chamado de Mick. Passou os primeiros 20 e tantos anos de sua vida trabalhando ao lado dos pais em escavações arqueológicas, o que deve bastar para deixar qualquer criança psicótica.
— Por que ele foi preso?— O Mick perdeu a cabeça durante a palestra do pai. O tribunal o diag-
nosticou paranoico-esquizofrênico e o enviou para o Hospital Psiquiátrico Estadual de Massachusetts. Lá fui psiquiatra dele e continuei sendo mesmo depois de ser promovido a diretor em 2006.
— Ele tem as mesmas ilusões que o pai?— Claro. Pai e filho estavam convencidos de que uma calamidade terrí-
vel varrerá a humanidade do planeta. O Mick também sofre das costumeiras manias paranoicas de perseguição, a maioria causada pela morte do pai e por seu próprio confinamento. Alega que uma conspiração do governo o manteve trancado todos esses anos. Na mente do Mick Gabriel, ele é a maior das víti-mas, um inocente tentando salvar o mundo, atingido pelas ambições imorais de um político egocêntrico.
— Desculpe, me perdi nessa última parte.
Foletta folheia as fichas, retirando várias Polaroids de um envelope. Este
é o homem que ele atacou. Dê uma boa olhada na foto. Trate de não baixar a guarda.
É um close-up do rosto de um homem, brutalmente espancado. A órbita
do olho direito está coberta de sangue.
— O Mick arrancou o microfone do pedestal e bateu na vítima até ela
desmaiar. O pobre homem acabou perdendo um olho. Acho que vai reconhe-cer o nome. Pierre Borgia.
— Borgia? Está brincando? O secretário de Estado?— Isso foi há quase 11 anos, antes que o Borgia fosse nomeado delegado
da ONU. Ele era candidato a senador, na época. Há quem diga que a agressão o ajudou a se eleger. Antes que a máquina política dos Borgia o empurrasse para a vida pública, parece que o Pierre era um acadêmico e tanto. Ele e o Julius Gabriel estavam no mesmo programa de doutorado em Cambridge. Acredite se quiser, mas os dois chegaram a trabalhar juntos depois de formados. Explo-raram ruínas antigas por uns cinco ou seis anos antes de terem um desenten-dimento sério. A família de Borgia finalmente o convenceu a voltar para os Estados Unidos e entrar na política, mas o ressentimento nunca foi embora.
Foletta faz uma pausa e logo prossegue. — O fato é que foi o Borgia que apresentou o Julius como o principal
palestrante. O Pierre provavelmente disse algumas coisas que não deveria ter dito, que ajudaram a provocar o público. O Julius Gabriel tinha coração fraco. Depois que ele morreu nos bastidores, Mick foi à forra. Foram precisos seis policiais para controlá-lo. Está tudo no arquivo.
— Isso me parece mais uma explosão emocional isolada, provocada por. — Esse tipo de fúria leva anos para se acumular, residente. O Michael
Gabriel era um vulcão à espera da erupção. Aqui temos um filho único, cria-do por dois arqueólogos de renome nas áreas mais desoladas do mundo. Ele nunca foi à escola, nem teve a oportunidade de conviver com outras crianças, e tudo isso contribuiu para um caso extremo de distúrbio de personalidade antissocial. Caramba, acho que o menino nunca nem namorou. Tudo o que ele aprendeu foi ensinado por seus únicos companheiros, seus pais, e pelo menos um dos dois era comprovadamente psicótico.
Foletta lhe entrega o arquivo. — O que aconteceu com a mãe dele?— Morreu de câncer no pâncreas enquanto a família morava no Peru.
Por algum motivo, sua morte ainda o assombra. Uma ou duas vezes por mês ele acorda gritando. Tem terrores noturnos pavorosos.
— Quantos anos Mick tinha quando ela morreu?— Doze. — Sabe por que a morte dela ainda causa tamanho trauma a ele?— Não. Mick se recusa a falar sobre isso. — Foletta se ajeita, incapaz de
ficar confortável na pequena cadeira. — A verdade, residente Vazquez, é que Michael Gabriel não gosta muito de mim.
— Transferência de neurose?— Não. Mick e eu nunca tivemos esse tipo de relacionamento médico-
-paciente. Eu me tornei seu carcereiro, personagem de sua paranoia. Parte disso, sem dúvida, se originou em seus primeiros anos como interno. Ele teve difi-culdades para se adaptar ao confinamento. Uma semana antes de sua avaliação semestral, ele perdeu a cabeça com um de nossos vigias. Quebrou os dois bra-ços dele e deu vários pontapés na virilha. Causou tantos danos que seus dois testículos tiveram que ser removidos. Tem uma foto no arquivo, se quiser.
— Não, obrigada. — Como punição pela agressão, Mick passou a maior parte dos últimos
dez anos em confinamento solitário.
— Isso é um pouco severo, não é?— A meu ver, não. Ele é muito mais esperto do que os homens que con-
tratamos para vigiá-lo. É melhor para todos se ele for mantido em isolamento.
— Ele vai ter permissão para participar de atividades coletivas?— A instituição tem regras rígidas para a reintegração de internos, mas
Dominique olha novamente as Polaroids. — O quanto devo me preocupar com um provável ataque desse paciente?— No nosso ramo, residente, precisamos nos preocupar sempre. Mick
Gabriel pode atacar? Sempre. Será que ele vai atacar? Duvido. Os últimos dez anos não foram fáceis para ele.
— Ele vai ser reintegrado à sociedade um dia?Foletta balança a cabeça. — Nunca. Na estrada da vida, esta é a última parada de Mick Gabriel.
Ele nunca vai ser capaz de enfrentar os rigores da sociedade. Tem medo.
— Medo de quê?— De sua própria esquizofrenia. Mick diz que pode sentir a presença do
mal ficando mais forte, se alimentando do ódio e da violência na sociedade. Sua fobia chega ao ponto de explosão toda vez que um adolescente revoltado pega a arma do pai e entra atirando numa escola. Esse tipo de coisa realmente o afeta.
— Isso também me afeta. — Não da mesma forma. Mick vira um tigre. — Ele está sob medicação?— Administramos Zyprexa duas vezes ao dia. Tira a maior parte de seu
— E o que você quer que eu faça com ele?— A lei estadual exige que ele receba terapia. Use a oportunidade para
Ele está escondendo alguma coisa. — Agradeço a oportunidade, doutor. Mas por que eu?Foletta se afasta da escrivaninha e fica de pé, a mobília rangendo com
— Como sou diretor desta instituição, muitas pessoas interpretariam
como um conflito de interesses se só eu tratasse dele.
— Mas por que não destacar uma equipe completa para. — Não. — A paciência de Foletta já se esgotava. — Michael Gabriel
ainda é meu paciente, e eu vou determinar que tipo de terapia é melhor pra ele, não um conselho diretor. O que você logo vai descobrir por si mesma é que Mick é uma espécie de artista. É bastante esperto, muito eloquente e inteligen-te. O QI dele é de quase 160.
— Isso é bastante incomum para um esquizofrênico, não é?— Incomum, mas não inédito. O que quero dizer é que ele só manipu-
laria um assistente social ou um terapeuta ocupacional. É preciso alguém com o seu preparo pra não cair na dele.
— E quando vou conhecê-lo?— Agora mesmo. Ele está sendo trazido para uma sala isolada para que
eu possa observar o primeiro encontro de vocês. Contei a ele tudo sobre você hoje de manhã. Ele está ansioso para conhecê-la. Mas tome cuidado.
Os quatro últimos andares da instituição, chamados de unidades pelos fun-cionários do Centro, abrigam 48 internos cada. As unidades são divididas em alas norte e sul, cada ala contendo três núcleos. Um núcleo consiste em uma pequena sala de convivência com sofás e um aparelho de TV no centro de oito dormitórios particulares. Cada andar tem segurança e enfermarias próprias. Não há janelas.
Foletta e Dominique tomam o elevador dos funcionários até o sétimo
andar. Um vigia afro-americano está conversando com uma das enfermeiras no posto central. A sala isolada fica à sua esquerda.
O diretor cumprimenta o guarda e apresenta a nova residente. Mar-
vis Jones tem quase 50 anos e olhos castanhos gentis que transmitem a confiança adquirida com a experiência. Dominique nota que o vigia está desarmado. Foletta explica que armas nunca são permitidas nos andares dos internos.
Marvis os leva por meio do posto central para um espelho de segurança
de um lado só, através do qual se vê a sala isolada.
Michael Gabriel está sentado no chão, com as costas apoiadas na parede
oposta à janela. Usa camiseta e calça brancas, e seu físico está surpreendente-mente em forma, com o tórax bem definido. Ele é alto, com quase 1,96 metro, e pesa 100 quilos. O cabelo é castanho-escuro, um tanto longo e cacheado nas pontas. O rosto é bonito e bem barbeado. Uma cicatriz de 7 centímetros se estende do lado direito da mandíbula, perto da orelha. Seus olhos estão prega-dos no chão.
— Ele é bonito. — O Ted Bundy* também era — diz Foletta. — Vou observar você da-
qui. Tenho certeza de que Mick vai usar todo o seu charme para te impressio-nar. Quando achar que você aguentou o suficiente, mando a enfermeira entrar e dar a medicação dele.
— Certo. — Sua voz treme. Fica calma, caramba. Foletta sorri. — Está nervosa?— Não, só um pouco na expectativa. Ela sai do posto de segurança, acenando para que Marvis destranque a
sala isolada. A porta se abre, fazendo as borboletas no seu estômago alçarem voo. Parando o suficiente para que seu ritmo cardíaco volte ao normal, ela entra, sentindo um calafrio ao ouvir o duplo clique da porta se fechando atrás dela.
A sala isolada mede 3 por 4 metros. Tem uma cama de ferro presa ao
chão e à parede à sua frente, suportando um colchão bem fino. Uma cadeira solitária, também parafusada ao chão, está diante da cama. O vidro fumê na parede, à sua direita, é a janela de observação. O quarto cheira a antisséptico.
Mick Gabriel se levanta. Sua cabeça está levemente inclinada, e ela não
* Psicopata americano que matou mais de trinta mulheres na década de 1970. Foi executado na cadeira elétrica em 24 de janeiro de 1989, aos 42 anos. (N. do T.)
Dominique estende a mão, forçando um sorriso. — Dominique Vazquez. Mick ergue o olhar, revelando olhos animalescos, tão intensamente ne-
gros que é impossível determinar onde a pupila termina e a íris começa.
— Dominique Vazquez. Dominique Vazquez. — O interno pronuncia
cada sílaba com cuidado, como que as gravando na memória. — É um praze.
Seu sorriso desaparece de repente, a expressão sóbria e analítica fica
O coração de Dominique lateja em seus ouvidos. Fique calma. Não se
Mick fecha os olhos. Algo inesperado está acontecendo com ele. Do-
minique vê sua mandíbula se levantar um pouco, revelando a cicatriz. Suas narinas se abrem como as de um animal farejando sua presa.
— Posso me aproximar, por favor? — As palavras são ditas mansamente,
quase sussurradas. Ela sente uma barragem emocional se rompendo por trás da voz.
Dominique luta contra o ímpeto de correr para o vidro fumê. Os olhos voltam a se abrir. — Juro pela alma da minha mãe que não vou te machucar. Vigie as mãos dele. Se ele avançar, mete o joelho. — Pode se aproximar, mas sem movimentos bruscos, está bem? O dr.
Mick dá dois passos para a frente, ficando a meio braço de distância. Ele
aproxima o rosto, fechando os olhos e inspirando — como se o rosto dela fosse uma garrafa de excelente vinho.
A presença do homem está fazendo os pelos dos braços da residente fi-
carem de pé. Ela observa que os músculos faciais dele se relaxam, sua mente abandona a sala. Seus olhos fechados se enchem d’água. Várias lágrimas esca-pam, escorrendo livremente pelo seu rosto.
Por um breve momento, o instinto materno a faz baixar a guarda. Será que ele está fingindo? Seus músculos se retesam.
Mick abre os olhos, agora dois lagos negros. A intensidade animalesca
— Obrigado. Acho que a minha mãe usava o mesmo perfume. Ela dá um passo para trás. — É Calvin Klein. Traz lembranças felizes?— E algumas ruins também. O encanto se quebra. Mick se dirige para o catre.
— Você prefere a cadeira ou a cama?— Pode ser a cadeira mesmo. — Ele espera que ela se sente, e então se
posiciona na beirada da cama para se encostar na parede. Mick se move como um atleta.
— Você conseguiu se manter em forma. — Pra quem tem a mente disciplinada, esse pode ser um resultado da
vida na solitária. Faço mil flexões e abdominais por dia. — Ela sente os olhos dele absorvendo sua silhueta. — Você também parece malhar bastante.
— Eu tento. — Vazquez. É com s ou com z?— Z. — Porto Rico?— Sim. Meu. meu pai biológico cresceu em Arecibo. — É a sede do maior radiotelescópio do mundo. Mas seu sotaque parece
— Fui criada lá. — Ele está controlando a conversa. — Presumo que tenha
— Visitei muitos lugares. — Mick cruza as pernas, assumindo a posição
de lótus. — Então você foi criada na Guatemala. Como veio parar nesta gran-de terra de oportunidades?
— Meus pais morreram quando eu era criança. Fui enviada para morar
com um primo na Flórida. Mas vamos falar de você agora.
— Você disse “pai biológico”. Achou importante identificá-lo assim.
Quem é o homem que você considera seu verdadeiro pai?
— Isadore Axler. Ele e a esposa me adotaram. Passei algum tempo num
orfanato depois de sair da casa dos meus primos. Iz e Edith Axler são pessoas maravilhosas. Os dois são biólogos marinhos. Operam uma estação SOSUS na ilha de Sanibel.
— SOSUS?— É um sistema submarino de vigilância sonora, uma rede mundial de
microfones submarinos. A Marinha usava o SOSUS durante a guerra fria para detectar submarinos inimigos. Agora os biólogos dominam o campo; usam o sistema para bisbilhotar a fauna marinha. Ele é tão sensível que permite ouvir grupos de baleias a centenas de quilômetros de.
Os olhos penetrantes a interrompem. — Por que você saiu da casa do seu primo? Algo traumatizante deve ter
acontecido, se você foi parar num orfanato.
— Mick, estou aqui pra falar de você. — Sim, mas talvez minha infância também tenha sido traumatizante.
Talvez sua história possa me ajudar.
— Duvido. Tudo acabou bem. Os Axler me devolveram minha infância,
— Mas não sua inocência. Dominique sente o sangue fugir de seu rosto. — Muito bem. Agora que já sabemos que você aprende rápido, vejamos
se consegue concentrar esse incrível QI em si próprio.
— Pra você então me ajudar?— Pra que possamos nos ajudar mutuamente. — Você ainda não leu meu arquivo, leu?— Não, ainda não. — Sabe por que o Foletta me indicou pra você?— Por que não me conta?Mick olha para as próprias mãos, pensando numa resposta. — Tem um estudo escrito por Rosenhan. Você já leu?— Não. — Se importa de ler antes da nossa próxima sessão? O dr. Foletta com
certeza tem uma cópia em alguma daquelas caixas de papelão que ele chama de arquivos.
Ela sorri. — Se é importante pra você, vou procurar. — Obrigado. — Ele se curva para a frente. — Gosto de você, Domini-
— Não. — As lâmpadas fluorescentes dançam como o luar nos olhos
— Gosto de você porque sua mente ainda não está institucionalizada.
Você ainda é novata, e isso é importante pra mim. Quero me abrir de verdade com você, mas não posso, pelo menos não nesta sala com o Foletta olhando. Também acho que você vai se identificar com alguns dos percalços que en-frentei. Por isso, gostaria de falar com você sobre muitas coisas, coisas muito importantes. Acha que poderemos conversar em particular, da próxima vez? Talvez no jardim?
— Vou pedir ao dr. Foletta. — Quando perguntar, lembre o doutor das regras da instituição. Pode
também pedir o diário do meu pai? Se você vai ser minha terapeuta, acho que é de vital importância que o leia. Você se importaria?
— Será uma honra ler o diário. — Obrigado. Poderia lê-lo logo, talvez no fim de semana? Odeio passar
dever de casa, afinal, hoje é seu primeiro dia, mas é vital que você o leia o quanto antes.
A porta se abre, a enfermeira entra. O vigia está lá fora, olhando para a
— Hora do seu remédio, sr. Gabriel. — Ela lhe entrega o copo descartá-
vel com água, depois o comprimido branco.
— Mick, preciso ir. Foi um prazer conhecê-lo. Farei o melhor que puder
pra terminar meu dever de casa até segunda, está bem? — Ela fica de pé e se vira para ir embora.
Mick olha para o comprimido. — Dominique, os seus parentes maternos são maias quichés, não são?— Maias? Eu. eu não sei. — Ele sabe que você está mentindo. — Bem, é
possível. Meus pais morreram quando eu era muito.
Os olhos se erguem de repente, com um efeito desarmante. — Quatro Ahau, três Kankin. Sabe que dia é esse, não sabe, Dominique?Merda. — Vejo. vejo você mais tarde. — Dominique sai da sala, esbarrando no
Michael Gabriel coloca cuidadosamente o comprimido na boca. Esva-
zia o copo de água, depois o amassa com a mão esquerda. Ele abre a boca, permitindo que a enfermeira a inspecione com seu depressor de língua e sua minilanterna, verificando se o comprimido foi engolido.
— Obrigada, sr. Gabriel. O vigia vai acompanhá-lo de volta ao seu quar-
Mick permanece no catre até a enfermeira fechar a porta. Ele fica de pé,
voltando para a parede oposta, de costas para a janela. Casualmente, com o indicador da mão direita, tira o comprimido do copo de papel e o esconde na palma da mão. Voltando a se sentar no chão na posição de lótus, joga o copo amassado sobre a cama e enfia o comprimido branco no sapato.
O Zyprexa será jogado no vaso sanitário quando ele voltar para a cela.
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